quarta-feira, 14 de março de 2012

O verdadeiro jejum

 
Deixemo-nos de fantasias patéticas de um pseudo-jejum tipo aspirina espiritual
Agora que estamos no ritmo anual da vida das comunidades cristãs no Tempo da Quaresma, ocasião de penitência, oração e silêncio que antecedem a celebração da Páscoa vem sempre ao debate o tema do jejum. Sobre este assunto pairam alguns medos e uma fixação rubricista anacrónica.
 
Vejamos então. A Igreja hoje prevê apenas dois dias no ano o jejum, a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa. Nada de especial. Cada fiel procura da melhor forma viver essa prescrição. O mais importante é saber-se qual o verdadeiro jejum que agrada a Deus e ao saudável convívio entre as pessoas. Penso que nos falta fazer esta pregação e a conversão consequente devia chegar aos crentes.
O verdadeiro jejum proclama-o o profeta Isaías quando diz o seguinte: «Acaso não é este o jejum que escolhi? que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? E que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desamparados? Que vendo o nu, o cubras?» (Is 58,6-7).
No Evangelho de S. Mateus Jesus desmascara as tentações satânicas de uma religião utilizada para proveito pessoal, uma religião onde se procura honras e poder entre os homens, sobretudo, entre os poderosos deste mundo. Por isso, guardo com muito carinho uma frase de Santo Afonso de Ligório: «É uma grande injustiça impor às consciências normas e leis se não pudermos provar claramente que elas são queridas por Deus». Muita da intriga palaciana que se passa dentro da Igreja Católica que, escandalosamente, a comunicação social de todo o mundo nos vai dando conta, reclama um forte jejum para que todos os gananciosos de poder e de mordomias se convertam à missão-serviço em nome de Jesus de Nazaré. Este sim para a Igreja que se reclama herdeira do Evangelho de Jesus, o modelo autêntico do poder-serviço dos sem lugar e vez neste mundo dos poderosos.
Não podemos aceitar que se anuncie o desprendimento, a caridade e a radicalidade da entrega à causa do Evangelho, mas depois assumem-se sem pudor as púrpuras envernizadas, o luxo principesco e a avidez pelos bens materiais como principal razão de ser do «serviço» da causa que se abraçou.
O Papa João XXIII dizia inspirando-se no Evangelho: «Eu saltei da barca e caminho sobre as ondas ao encontro de Cristo que me chama. A Igreja deve renunciar às suas certezas. Deve abandonar a segurança da barca e caminhar sobre as ondas. Chegará a noite, a tempestade, o medo. Mas não há que retroceder. A Igreja é chamada a ir ao encontro do mundo».
Vivemos séculos de doutrina doce e continuamos a mascar a pastilha elástica insonsa de uma mensagem no sentido de um moralismo mole que não pode eliminar a força da mensagem daquele que veio «lançar fogo à terra».
Porque, creio no Jesus libertador de todas as amarras, da injustiça, um Jesus que diz não à pobreza, à guerra, ao assalto à natureza em nome da cobiça, ao racismo, à violência brutal contra as mulheres, crianças e velhos à qual nenhuma sociedade escapa, na qual nenhuma tem as mãos limpas. Creio no Jesus da esperança dos sem esperança. O Jesus do abraço sem fronteiras.
Deixemo-nos de fantasias patéticas de um pseudo-jejum tipo aspirina espiritual que não transforma nada e vamos proclamar um Jesus que desprende de um ser cristão anestesiado com rubricas à margem da vontade de Deus e celebraremos a autentica e verdadeira PÁSCOA DO SENHOR!

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